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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

1989 e a abertura para o entendimento do mundo

Pode parecer ingênuo pensar desta maneira, mas acho incrível como acontecimentos de âmbito mundial reportados pela mídia podem atingir nossa percepção sensível repercurtindo em nossos interesses cognitivos por toda uma vida.


A forma como incorporamos tais informações atingem e afetam nossa percepção diretamente e nesse sentido, diferentes dimensões subjetivas e objetivas se articulam refletindo num fluxo e refluxo de sensações, apropriações, representações e comportamentos frente à esse entendimento, à essa assimilação.
Essas percepções corroboram para a construção do nosso entendimento do mundo. 
Lembro-me, por exemplo, de alguns fatos marcantes da história mundial reportados pela mídia nos idos de 1989, quando eu me encontrava com apenas cinco anos de idade. Foram respectivamente “A queda do Muro de Berlim” e o fato de eu ter assistido na época um documentário sobre “o desastre de Chernobyl”, ocorrido em abril de 1986. Eles sem dúvida constituíram um salto de consciência na minha infância, foi como uma espécie de marco de abertura para o entendimento do mundo, e esse mundo já me pareceu logo de início, um tanto quanto caótico. 
Lembro-me que ficava tentando imaginar como um muro poderia ser tão forte e robusto a ponto de dividir uma cidade, não conseguia imaginar como as pessoas poderiam ser displicentemente privadas de seus direitos de ir e vir. Imaginava crianças trocando cartas e brinquedos atirados por sob o muro. Atormentava os adultos para que me explicassem o porquê daquilo tudo, mas sempre em vão, pois geralmente as explicações destinadas à crianças são frequentemente vagas e alusivas. 
Ao passo que eu já percebia a importância da destruição de um ícone de repressão e manipulação política da vida humana no interior das organizações sociais e políticas, me preocupava também com as questões de ordem emocional as quais essas pessoas estavam submetidas.
Já com relação ao acidente de Chernobyl, me deparava com a arbitrariedade do conhecimento técnico científico aplicado às esferas da vida social compartilhadas.O acidente demonstrou claramente o quão contraditório e arriscado é depositar nossa confiança nas instituições vigentes da modernidade.
 Incorporei atentamente essas informações na época, e o que mais chocou a minha percepção infantil,  foram as mortes e principalmente o fato de que as pessoas que conseguiram fugir, sobreviver, tiveram que  abandonar as suas casas, suas vidas em seus locais de origem, ficaram sem seus pertences simbolicamente afetivos. 
E as bonecas da garota? E as fotos de sua vovozinha? E a caixinha de música com a bailarina? E o cachorrinho que ficou preso no canil?
O reflexo daquela angústia extrema sentida lá no passado, na minha  mais tenra infância, de certa forma ecoa até hoje nesses escritos e nas minhas motivações pessoais em tentar entender esse mundo e as apropriações dele por parte das pessoas e instituições.



sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Sobre o risco

 A figura mitológica denominada “Oroboros”, extraída de um antigo manuscrito grego, representa simbolicamente uma cobra que morde o próprio rabo e opera num movimento circular e contínuo todo processo dinâmico e transformador da vida.


O mais trivial de nossos atos e comportamentos cotidianos articula em si uma carga de risco sem precedentes e que nos direciona constantemente à efetuação de escolhas frente à percepção destes riscos. Deflagrando uma sensação de ansiedade frente à incerteza.

Existem os riscos extensionais de âmbito e consequências globais, bem como existem também os riscos intensionais oriundos de fenômenos e manifestações locais,  alicerçados inclusive em relações pessoais e intimistas.

A noção de risco implica na noção de confiança. Para qualquer dimensão de interação social é necessário um certo grau de consentimento e confiança tanto em indivíduos quanto em instituições.

É como se brincássemos de cobra-cega, você simplismente tapa seus olhos frente aos possíveis riscos, que se apresentam desde as colisões previsíveis à acontecimentos inesperados e fora de seu alcance. Você se joga na busca de um objetivo, contando que o outro estará presente, confiando na legitimidade das regras do jogo. Como exemplo ilustrativo aponto uma rodovia, onde os carros se deslocam em alta velocidade, e qualquer deslize, qualquer mínima desatenção pode ocasionar agravantes desastrosos. Nesse caso, você tem que contar que ela (a rodovia) se encontrará em condições adequadas, que não hajam impedimentos de quaisquer natureza, além de estar à mercê também do outro desconhecido, e contar com seu preparo para circular na travessia.

Tal movimento intrínseco das instituições na modernidade é desenrolado despercebidamente.E frequentemente passamos batido frente às tecituras imediatas da realidade de nossa vida objetiva.

 Muitas vezes não nos damos conta que escolhemos tudo e o tempo todo e que nossas escolhas cotidianas tem implicações para além do nosso umbigo.

Desde onde morar, o que comer , que som ouvir, o que vestir, que lugares freqüentar, quês informações abstrair da mídia, como e com quem se relacionar, quais assuntos tratar, como destinar seu lixo, como desperdiçar seu tempo ocioso. etc...

Frente a esse mosaico de possibilidades firmamos nossa existência e ressaltamos os limites de nossa identidade.

Identidade essa, permeada por influências internas e externas a nosso juízo.
Transcendente à nossa percepção física sensorial ou abstrativa cognitiva.

Confrontamos  paradoxos:

Tradição/ inovação
subjetividade/ objetividade
coerção/ sublimação
Coletividade/ individualidade

 A relação do todo complexo e das partes integrantes...

 Somos criadores ou criaturas?
Criamos nossa realidade ou somos frutos do meio social?

É nessa confluência de possibilidades divergentes e que se complementam que vivemos e nos edificamos a cada dia enquanto seres racionais e sócio culturais, produtores de nosso própio tempo-espaço.

Flávia Amaro

quarta-feira, 21 de julho de 2010

comida e consumo

Como pensar ou falar em comida sem se remeter a seu imbricado processo de consumo?

É possível comer sem consumir?

Para que se possa comer, é necessário consumir. O que implica a grosso modo, no dispêndio de uma quantidade x de dinheiro, em troca de uma quantidade x de alimento. E nem sempre esse arrolamento se estabelece em termos justos da relação custos x benefícios.

Na contemporaneidade o alimento foi destituído de seus locais de origem, foi ressiginificado e transposto de seu meio natural- orgânico, reconhecível, para o meio artificial, forjado, fabricado.

O alimento processado que se apresenta enquanto produto final ao “comensal-consumidor” é totalmente descaracterizado em relação à sua forma original. Os produtos da indústria agroalimentar chegam até seu último destino, as mãos do consumidor, já  praticamente prontos e submetidos à tecnologia tal, que bastam cerca de poucos minutos, para se preparar uma "refeição" nos termos atuais.

Esse alimento industrializado, geralmente está condicionado em porções individuais e/ou segmentadas em unidades. Está fragmentado, empacotado. Corroborando para o aumento da produção de lixo, através do excesso de plásticos nas embalagens e de outros materiais poluentes utilizados ao longo do processo de produção. Essa tendência da indústria moderna acaba por onerar o preço final para o consumidor, além de significar um impacto ambiental cujas consequencias já podem ser observadas.
O argumento associado ao fetiche da alimentação industrializada está pautado na praticidade, na segurança e em uma suposta autonomia de escolha. Suposta porque suas possibilidades de escolha são reduzidas, esse consumidor pode escolher uma marca em detrimento de outras tantas dispostas nas prateleiras dos supermercados, mas não encontra artificios para se esquivar desse sistema e não comprar produtos provenientes dessa lógica de mercado.
Mesmo no meio natural, a lógica do mercado igualmente impera, pois é necessário comprar os equipamentos adequados, os instrumentos, insumos e utilitários diversos responsáveis por garantir produtividade e eficácia no trato com a terra.

Em toda extensão do território nacional praticamente não podemos recorrer a exemplos de produtores que se alimentam do fruto e suor de seu próprio trabalho na lida com a terra. Não se come mais o que se planta, pelo menos não totalmente.

"Tantas pessoas no mundo inteiro não mais produzem o que consomem ou consomem o que produzem, e tanta comida flui e em tal volume e velocidade, que a unidade de produção e consumo muitas vezes se perde ou se oculta." Mintz

Há ainda casos raros de pequenas propriedades rurais auto-suficientes. Mas o que se encontra na grande maioria, são propriedades submetidas à cogente da globalização. Essas pequenas propriedades estabelecem relações de parceria econômica vendendo toda sua produção a mega-corporações responsáveis pela produção de gêneros alimentícios no Brasil. E acabam entrando num sistema de dominação e sendo portanto submetidas a uma exploração maciça e desleal.

Ainda existem os produtores rurais que se organizam em associações cooperativas, colocando-se coletivamente no mercado, mas dificilmente se manteriam auto-suficientes fora dele.

Esse alimento, encarado enquanto mercadoria, desencadeou uma série de mudanças na alimentação do comensal moderno, deflagrando a sensação de risco e ansiedade generalizadas.

É nesse contexto que a mídia e o marketing dos produtos alimentícios nadam de braçada. O alimento- mercadoria, desenvolve novas tecnologias, se recria e se reinventa a cada dia, a cada lançamento da indústria cultural-alimentícia, a cada novidade, em cada discurso médico-nutricional imponente e pretensioso que desbancam tantos outros, em todas as opções de produtos light, diet, pausterizados, alimentos funcionais, “ração humana”, etc.

Amparados na prerrogativa da praticidade e da segurança alimentar, o “comensal-consumidor” delega seu juízo, sua preocupação quanto sua “escolha” alimentar à mídia e ao discurso da indústria. Esse indivíduo geralmente rende-se à influência dessa multiplicidade de discursos, e simplesmente vai “às compras”, compulsiva e irrefletidamente, motivado pelo intuito subjetivo de exorcizar a insegurança presente em seu cotidiano, em seu imaginário particular e intimista.












Não, São Paulo não me cativou nesse ano. Para mim, privilégio não é estar onde “todo mundo está”, mas estar em um lugar onde se pode, num ...