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sábado, 2 de abril de 2011

Tenho razão de sentir saudade, 
tenho razão de te acusar. 
Houve um pacto implícito que rompeste 
e sem te despedires foste embora. 
Detonaste o pacto. 
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência 
de viver e explorar os rumos de obscuridade 
sem prazo sem consulta sem provocação 
até o limite das folhas caídas na hora de cair. 
Antecipaste a hora. 
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas. 
Que poderias ter feito de mais grave 
do que o ato sem continuação, o ato em si, 
o ato que não ousamos nem sabemos ousar 
porque depois dele não há nada? 
Tenho razão para sentir saudade de ti, 
de nossa convivência em falas camaradas, 
simples apertar de mãos, nem isso, voz 
modulando sílabas conhecidas e banais 
que eram sempre certeza e segurança. 
Sim, tenho saudades. 
Sim, acuso-te porque fizeste 
o não previsto nas leis da amizade e da natureza 
nem nos deixaste sequer o direito de indagar 
porque o fizeste, porque te foste. 


Carlos drummond de Andrade

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A VERDADE



A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,

porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade

voltava igualmente com meio perfil.
E os dois meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram a um lugar luminoso

onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em duas metades,
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
As duas eram totalmente belas.
Mas carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Carlos Drumond de Andrade

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Definitivo


"Os Amantes"- René Magritte




Definitivo, como tudo o que é simples.

Nossa dor não advém das coisas vividas,

mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.


Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos

o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções

irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado

do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter

tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que

gostaríamos de ter compartilhado,

e não compartilhamos.

Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas

as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um

amigo, para nadar, para namorar. 

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os

momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas

angústias se ela estivesse interessada em nos compreender. 

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada. 

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo

confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,

todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma

pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez

companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida

está no amor que não damos, nas forças que não usamos,

na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do

sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.

O sofrimento é opcional...

Carlos Drummond de Andrade 



Não, São Paulo não me cativou nesse ano. Para mim, privilégio não é estar onde “todo mundo está”, mas estar em um lugar onde se pode, num ...