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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Ceifeira



Mas não, é abstrata, é uma ave
De som volteando no ar do ar,
E a alma canta sem entrave
Pois que o canto é que faz cantar

                              Fernando Pessoa

Cansa ser, sentir dói, pensar destruir.

Cansa ser, sentir dói, pensar destruir.
Alheia a nós, em nós e fora,
Rui a hora, e tudo nela rui.
Inutilmente a alma o chora.
De que serve ? O que é que tem que servir ?
Pálido esboço leve
Do sol de inverno sobre meu leito a sorrir...
Vago sussuro breve.
Das pequenas vozes com que a manhã acorda,
Da fútil promessa do dia,
Morta ao nascer, na 'sperança longínqua e absurda
Em que a alma se fia.

                                   Fernando Pessoa



quarta-feira, 29 de junho de 2011

Mas Eu


   Mas eu, em cuja alma se refletem 
   As forças todas do universo,
   Em cuja reflexão emotiva e sacudida
   Minuto a minuto, emoção a emoção,
   Coisas antagônicas e absurdas se sucedem —
   Eu o foco inútil de todas as realidades,
   Eu o fantasma nascido de todas as sensações,
   Eu o abstrato, eu o projetado no écran,
   Eu a mulher legítima e triste do Conjunto
   Eu sofro ser eu através disto tudo como ter sede sem ser de água.

Álvaro de Campos
 

sábado, 28 de maio de 2011

Baladas de uma outra terra, aliadas




Baladas de uma outra terra, aliadas
Às saudades das fadas, amadas por gnomos idos,
Retinem lívidas ainda aos ouvidos
Dos luares das altas noites aladas...
Pelos canais barcas erradas
Segredam-se rumos descridos...

E tresloucadas ou casadas com o som das baladas,
As fadas são belas e as estrelas
São delas... Ei-las alheadas...

E sao fumos os rumos das barcas sonhadas,
Nos canais fatais iguais de erradas,
As barcas parcas das fadas,
Das fadas aladas e hiemais
E caladas... Toadas afastadas, irreais, de baladas... Ais...



                                                   Fernando Pessoa

Às vezes entre a tormenta



Às vezes entre a tormenta,
quando já umedeceu,
raia uma nesga no céu,
com que a alma se alimenta.
E às vezes entre o torpor
que não é tormenta da alma,
raia uma espécie de calma
que não conhece o langor.
E, quer num quer noutro caso,
como o mal feito está feito,
restam os versos que deito,
vinho no copo do acaso.
Porque verdadeiramente
sentir é tão complicado
que só andando enganado
é que se crê que se sente.
Sofremos? Os versos pecam.
Mentimos? Os versos falham.
E tudo é chuvas que orvalham
folhas caídas que secam.

 
Fernando Pessoa

Como uma voz de fonte que cessasse



Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vãos olhares
Se admiraram), p'ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce
Parou... Apareceu já sem disfarce
De música longínqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce...
A paisagem longínqua só existe
Para haver nela um silêncio em descida
P'ra o mistério, silêncio a que a hora assiste...
E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida...
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo...


                                               Fernando Pessoa

sábado, 21 de maio de 2011


"Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lagoa a lua toda brilha, porque alta vive"

Fernando Pessoa – Ficções do Interlúdio



sábado, 7 de maio de 2011

“A Girl Reading in an Interior”- Peter Ilsted


"Entre o sono e o sonho,
entre mim e o que em mim
é o quem me suponho,
corre um rio sem fim."

Fernando Pessoa

terça-feira, 26 de abril de 2011



"Agir, eis a inteligência verdadeira.
Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for.
O êxito está em ter êxito e não em ter condições de êxito.
Condições de palácio tem qualquer terra larga,
mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?"

Fernando Pessoa

segunda-feira, 18 de abril de 2011


Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos.

Fernando Pessoa

terça-feira, 29 de março de 2011



Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim…
De pensada, mal vivida…
Triste de quem pensa assim!
Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter…
Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim; ‘stou em mim dividido.
Se ao menos chovesse menos!
PESSOA, Fernando. Poesia: 1931-1935. São Paulo: Cia das Letras, 2009. 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Não me digas mais nada. O resto é vida.

Sob onde a uva está amadurecida

moram os meus sonos, que não querem nada.

Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.



Sob os ramos que falam com o vento,

inerte, abdico do meu pensamento.

Tenho esta hora e o ócio que está nela.

Levem o mundo: deixem-me o momento! (...)



Não digas nada que tu creias. Fala

como a cigarra canta. Nada iguala

o ser um som pequeno entre os rumores

com que este mundo...



A vida é terra e o vivê-la é lodo.

Tudo é maneira, diferença ou modo.

Em tudo quanto faças sê só tu,

em tudo quanto faças sê tu todo.




Fernando Pessoa





"Antes ser cabeça de largatixa do que rabo de leão."

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Não Digas Nada!

Não digas nada!

Nem mesmo a verdade

Há tanta suavidade em nada se dizer

E tudo se entender —

Tudo metade

De sentir e de ver...

Não digas nada

Deixa esquecer



Talvez que amanhã

Em outra paisagem

Digas que foi vã

Toda essa viagem

Até onde quis

Ser quem me agrada...

Mas ali fui feliz

Não digas nada.


Fernando Pessoa
"Cancioneiro"

domingo, 30 de maio de 2010

Sabe aqueles dias...onde tudo que se consegue é uma inércia corruptiva?
Vou absorvendo transversalidades poéticas...
e depois de mastigado, porém não digerido...vomito tudo aqui. Deglute!

 
"Lembra do tempo que você sentia
e sentir era a forma mais sábia de você saber

e você nem sabia?"
                                      Alice Ruiz


Nesta vida, em que sou meu sono,
Não sou meu dono,
Quem sou é quem me ignoro e vive
Através desta névoa que sou eu
Todas as vidas que eu outrora tive,
Numa só vida.
Mar sou; baixo marulho ao alto rujo,
Mas minha cor vem do meu alto céu,
E só me encontro quando de mim fujo.
Quem quando eu era infante me guiava
Senão a vera alma que em mim estava?
Atada pelos braços corporais,
Não podia ser mais.
Mas, certo, um gesto, olhar ou esquecimento
Também, aos olhos de quem bem olhasse
A Presença Real sob disfarce
Da minha alma presente sem intento.
                          Fernando Pessoa








             

Não, São Paulo não me cativou nesse ano. Para mim, privilégio não é estar onde “todo mundo está”, mas estar em um lugar onde se pode, num ...