* "Castle in the Pyrenees"- Rene Magritte
Estou sentindo uma clareza tão
grande
que me
anula como pessoa atual e comum:
é uma
lucidez vazia, como explicar?
assim
como um cálculo matemático perfeito
do qual,
no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente
o vazio.
E nem
entendo aquilo que entendo:
pois
estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me
alcanço.
Além do
que:
que faço
dessa lucidez?
Sei
também que esta minha lucidez
pode-se
tornar o inferno humano
-
já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em
termos de nossa diária
e
permanente acomodação
resignada
à irrealidade -
essa
clareza de realidade
é um
risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque
ela não me serve
para
viver os dias.
Ajudai-me
a de novo consistir
dos modos
possíveis.
Eu
consisto,
eu
consisto,
amém.
Clarice Lispector