Mostrando postagens com marcador Cecília Meireles. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Cecília Meireles. Mostrar todas as postagens

sábado, 6 de agosto de 2016

poesia.


Deixa-te estar embalado no mar noturno
onde se apaga e acende a salvação…

Deixa-te estar na exaltação dos sonhos sem forma:
com ela caminha o horizonte dos meus braços abertos,
e por cima do céu estão meus olhos pregados, guardando-te.

Deixa-te balançar entre a vida e a morte, sem nenhuma saudade:
deslizam os astros na abundância do tempo que cai:
nós somos pequenos como um ponto de pólen rodando entre os mundos.

Deixa-te estar neste embalo de água gerando círculos…
Nem é preciso dormir para a imaginação desmanchar-se em figuras
ambíguas…
Nem é preciso fazer nada para se estar na alma de tudo…
Nem é preciso querer mais, - que vem de nós um beijo eterno
e afoga a boca da vontade e os seus pedidos…

Cecília Meireles




domingo, 4 de agosto de 2013

Personagem


 
Teu nome é quase indiferente

e nem teu rosto mais me inquieta.

A arte de amar é exactamente

a de se ser poeta.

 

Para pensar em ti, me basta

o próprio amor que por ti sinto:

és a ideia, serena e casta,

nutrida do enigma do instinto.

 

O lugar da tua presença

é um deserto, entre variedades:

mas nesse deserto é que pensa

o olhar de todas as saudades.

 

Meus sonhos viajam rumos tristes

e, no seu profundo universo,

tu, sem forma e sem nome, existes,

silêncio, obscuro, disperso.

 

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,

teu coração, tua existência,

tudo - o espaço evita e consome:

e eu só conheço a tua ausência.

 

Eu só conheço o que não vejo.

E, nesse abismo do meu sonho,

alheia a todo outro desejo,

me decomponho e recomponho.
 
 
                                         Cecília Meireles

 

domingo, 27 de janeiro de 2013

CÂNTICOS - Cecília Meireles



I
Não queiras ter Pátria.
Não dividas a Terra.
Não dividas o Céu.
Não arranques pedaços ao mar .
Não queiras ter .
Nasce bem alto.
Que as coisas todas serão tuas.
Que alcançarás todos os horizontes.
Que o teu olhar, estando em toda parte
Te ponha em tudo,*
Como Deus.
*(Estarás em tudo)
 
II
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens - . .
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade. . .
É a eternidade.
És tu.
 

III
Não digas onde acaba o dia-
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a Terra,
Onde termina o céu.
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde é Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa, completamente silencioso. Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.
 
IV
Adormece o teu corpo com a música da vida. Encanta-te.
Esquece-te.
Tem por volúpia a dispersão.
Não queiras ser tu.
Queira ser a alma infinita de tudo.
T roca o teu curto sonho humano
Pelo sonho imortal.
O único.
Vence a miséria de ter medo.
Troca-te pelo Desconhecido.
Não vês, então, que ele é maior?
Não vês que ele não tem fim?
Não vês que ele és tu mesmo?
Tu que andas esquecido de ti?*
*(Tu que te esqueceste de ti?)
 
V
Esse teu corpo é um fardo.
É uma grande montanha abafando-te.
Não te deixando sentir o vento livre
Do Infinito.
Quebra o teu corpo em cavernas
Para dentro de ti rugir
A força livre do ar.
Destrói mais essa prisão de pedra.
Faze-te recepo.
Âmbito.
Espaço.
Amplia-te.
Sê o grande sopro
Que circula...
 
VI
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor. Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
 
VII
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor .
Ama sem amor .
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosse outro.
Como se fosse amar.
Sem esperar.
Por não esperar .
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo. . .
 
VIII
Não digas: "o mundo é belo".
Quando foi que viste o mundo?
Não digas: "o amor é triste".
Que é que tu conheces do amor ?
Não digas: "a vida é rápida".
Como foi que mediste a vida ?
Não digas: "eu sofro".
Que é que dentro de ti és tu?
Que foi que te ensinaram
Que era sofrer?
 
IX
Os teus ouvidos estão enganados.
E os teus olhos.
E as tuas mãos.
E a tua boca anda mentindo
Enganada pelos teus sentidos.
Faze silêncio no teu corpo.
E escuta-te. Há urna verdade silenciosa dentro de ti.
A verdade sem palavras.
Que procuras inutilmente,
Há tanto tempo,
Pelo teu corpo, que enlouqueceu.
 
X
Este é o caminho de todos que virão.
Para te louvarem.
Para não te verem.
Para te cobrirem de maldição.
Os teus braços são muito curtos.
E é larguíssimo este caminho.
Com eles não poderás impedir
Que passem, os que terão de passar,
Nem que fiques de pé.
Na mais alta montanha,
Com os teus braços em cruz.
 
XI
Vê formaram-se sobre todas as águas
Todas as nuvens.
Os ventos virão de todos os nortes.
Os dilúvios cairão sobre os mundos.
Tu não morrerás.
Não há nuvens que te escureçam.
Não há ventos que te desfaçam.
Não há águas que te afoguem.
Tu és a própria nuvem.
O próprio vento.
A própria chuva sem fim. . .

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Noturno






 

Quem tem coragem de perguntar, na noite imensa?
E que valem as árvores, as casas, a chuva, o pequeno transeunte?
 

Que vale o pensamento humano,
esforçado e vencido,
na turbulência das horas?
 

Que valem a conversa apenas murmurada, 
a erma ternura, os delicados adeuses?
 

Que valem as pálpebras da tímida esperança,
orvalhadas de trêmulo sal?
 

O sangue e a lágrima são pequenos cristais sutis,
no profundo diagrama.
 

E o homem tão inutilmente pensante e pensado
só tem a tristeza para distingui-lo.
 

Porque havia nas úmidas paragens
animais adormecidos, com o mesmo mistério humano:
grandes como pórticos, suaves como veludo,
mas sem lembranças históricas, 
sem compromissos de viver.
 

Grandes animais sem passado, sem antecedentes,
puros e límpidos,
apenas com o peso do trabalho em seus poderosos flancos
e noções de água e de primavera nas tranqüilas narinas
e na seda longa das crinas desfraldadas.
 

Mas a noite desmanchava-se no oriente,
cheia de flores amarelas e vermelhas.
E os cavalos erguiam, entre mil sonhos vacilantes,
erguiam no ar a vigorosa cabeça,
e começavam a puxar as imensas rodas do dia.
 

Ah! o despertar dos animais no vasto campo!
Este sair do sono, este continuar da vida!
O caminho que vai das pastagens etéreas da noite
ao claro dia da humana vassalagem!


                                       Cecília Meireles



É preciso não esquecer nada


 
É preciso não esquecer nada: 
nem a torneira aberta nem o fogo aceso, 
nem o sorriso para os infelizes 
nem a oração de cada instante. 
 

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta 
nem o céu de sempre. 
 

O que é preciso é esquecer o nosso rosto, 
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso. 
 

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos, 
a idéia de recompensa e de glória. 
 

O que é preciso é ser como se já não fôssemos, 
vigiados pelos próprios olhos 
severos conosco, pois o resto não nos pertence. 
 

                                      Cecília Meireles, 1962

domingo, 19 de junho de 2011


Reinvenção
 

A vida só é possível
reinventada.


Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.


Mas a vida, a vida, a vida, 
a vida só é possível
reinventada.


Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.


Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada, 
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva, 
fico: recebida e dada.


Porque a vida, a vida, a vida, 
a vida só é possível 
reinventada.

 

                  Cecília Meireles



Noções


Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.


Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que
a atinge.


Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se
encontram.


Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.


Ó meu Deus, isto é a minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e
precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e
inúmera...

                                            Cecília Meireles

sexta-feira, 15 de abril de 2011






Foi desde sempre o mar,
E multidões passadas me empurravam
como o barco esquecido.

Agora recordo que falavam
da revolta dos ventos,
de linhos, de cordas, de ferros,
de sereias dadas à costa.

E o rosto de meus avós estava caído
pelos mares do Oriente, com seus corais e pérolas,
e pelos mares do Norte, duros de gelo.

Então, é comigo que falam,
sou eu que devo ir.
Porque não há ninguém,
tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos.

E tenho de procurar meus tios remotos afogados.
Tenho de levar-lhes redes de rezas,
campos convertidos em velas,
barcas sobrenaturais
com peixes mensageiros
e cantos náuticos.

E fico tonta.
acordada de repente nas praias tumultuosas.
E apressam-me, e não me deixam sequer mirar a rosa-dos-ventos.
"Para adiante! Pelo mar largo!
Livrando o corpo da lição da areia!
Ao mar! - Disciplina humana para a empresa da vida!"
Meu sangue entende-se com essas vozes poderosas.
A solidez da terra, monótona,
parece-mos fraca ilusão.
Queremos a ilusão grande do mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.

Queremos a sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados,
uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo,
e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia.

O alento heróico do mar tem seu pólo secreto,
que os homens sentem, seduzidos e medrosos.

O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício.

Não precisa do destino fixo da terra,
ele que, ao mesmo tempo,
é o dançarino e a sua dança.

Tem um reino de metamorfose, para experiência:
seu corpo é o seu próprio jogo,
e sua eternidade lúdica
não apenas gratuita: mas perfeita.

Baralha seus altos contrastes:
cavalo, épico, anêmona suave,
entrega-se todos, despreza ritmo
jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos, mas é desfolhado, cego, nu, dono apenas de si,
da sua terminante grandeza despojada.

Não se esquece que é água, ao desdobrar suas visões:
água de todas as possibilidades,
mas sem fraqueza nenhuma.

E assim como água fala-me.
Atira-me búzios, como lembranças de sua voz,
e estrelas eriçadas, como convite ao meu destino.

Não me chama para que siga por cima dele,
nem por dentro de si:
mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom.
Não me quer arrastar como meus tios outrora,
nem lentamente conduzida.
como meus avós, de serenos olhos certeiros.

Aceita-me apenas convertida em sua natureza:
plástica, fluida, disponível,
igual a ele, em constante solilóquio,
sem exigências de princípio e fim,
desprendida de terra e céu.

E eu, que viera cautelosa,
por procurar gente passada,
suspeito que me enganei,
que há outras ordens, que não foram ouvidas;
que uma outra boca falava: não somente a de antigos mortos,
e o mar a que me mandam não é apenas este mar.

Não é apenas este mar que reboa nas minhas vidraças,
mas outro, que se parece com ele
como se parecem os vultos dos sonhos dormidos.
E entre água e estrela estudo a solidão.

E recordo minha herança de cordas e âncoras,
e encontro tudo sobre-humano.
E este mar visível levanta para mim
uma face espantosa.

E retrai-se, ao dizer-me o que preciso.
E é logo uma pequena concha fervilhante,
nódoa líquida e instável,
célula azul sumindo-se
no reino de um outro mar:
ah! do Mar Absoluto. 




                                   Cecília Meireles


Amém


Hoje acabou-se-me a palavra,
e nenhuma lágrima vem.
Ai, se a vida se me acabara
também!

A profusão do mundo, imensa,
tem tudo, tudo – e nada tem.
Onde repousar a cabeça?
No além?

Fala-se com os homens, com os santos,
consigo, com Deus. . . E ninguém
entende o que se está contando
e a quem. . .

Mas terra e sol, luas e estrelas
giram de tal maneira bem
que a alma desanima de queixas.
Amém.

Cecília Meireles

quinta-feira, 14 de abril de 2011




Magritte, Rene. Le Tombeau des Lutteurs, 1960



Motivo da rosa

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.


Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.


Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.


E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.



Cecília Meireles

segunda-feira, 11 de abril de 2011





Que procuras? - Tudo.

Que desejas? - Nada.

Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão."

Cecília Meireles

Não, São Paulo não me cativou nesse ano. Para mim, privilégio não é estar onde “todo mundo está”, mas estar em um lugar onde se pode, num ...