quarta-feira, 21 de julho de 2010

comida e consumo

Como pensar ou falar em comida sem se remeter a seu imbricado processo de consumo?

É possível comer sem consumir?

Para que se possa comer, é necessário consumir. O que implica a grosso modo, no dispêndio de uma quantidade x de dinheiro, em troca de uma quantidade x de alimento. E nem sempre esse arrolamento se estabelece em termos justos da relação custos x benefícios.

Na contemporaneidade o alimento foi destituído de seus locais de origem, foi ressiginificado e transposto de seu meio natural- orgânico, reconhecível, para o meio artificial, forjado, fabricado.

O alimento processado que se apresenta enquanto produto final ao “comensal-consumidor” é totalmente descaracterizado em relação à sua forma original. Os produtos da indústria agroalimentar chegam até seu último destino, as mãos do consumidor, já  praticamente prontos e submetidos à tecnologia tal, que bastam cerca de poucos minutos, para se preparar uma "refeição" nos termos atuais.

Esse alimento industrializado, geralmente está condicionado em porções individuais e/ou segmentadas em unidades. Está fragmentado, empacotado. Corroborando para o aumento da produção de lixo, através do excesso de plásticos nas embalagens e de outros materiais poluentes utilizados ao longo do processo de produção. Essa tendência da indústria moderna acaba por onerar o preço final para o consumidor, além de significar um impacto ambiental cujas consequencias já podem ser observadas.
O argumento associado ao fetiche da alimentação industrializada está pautado na praticidade, na segurança e em uma suposta autonomia de escolha. Suposta porque suas possibilidades de escolha são reduzidas, esse consumidor pode escolher uma marca em detrimento de outras tantas dispostas nas prateleiras dos supermercados, mas não encontra artificios para se esquivar desse sistema e não comprar produtos provenientes dessa lógica de mercado.
Mesmo no meio natural, a lógica do mercado igualmente impera, pois é necessário comprar os equipamentos adequados, os instrumentos, insumos e utilitários diversos responsáveis por garantir produtividade e eficácia no trato com a terra.

Em toda extensão do território nacional praticamente não podemos recorrer a exemplos de produtores que se alimentam do fruto e suor de seu próprio trabalho na lida com a terra. Não se come mais o que se planta, pelo menos não totalmente.

"Tantas pessoas no mundo inteiro não mais produzem o que consomem ou consomem o que produzem, e tanta comida flui e em tal volume e velocidade, que a unidade de produção e consumo muitas vezes se perde ou se oculta." Mintz

Há ainda casos raros de pequenas propriedades rurais auto-suficientes. Mas o que se encontra na grande maioria, são propriedades submetidas à cogente da globalização. Essas pequenas propriedades estabelecem relações de parceria econômica vendendo toda sua produção a mega-corporações responsáveis pela produção de gêneros alimentícios no Brasil. E acabam entrando num sistema de dominação e sendo portanto submetidas a uma exploração maciça e desleal.

Ainda existem os produtores rurais que se organizam em associações cooperativas, colocando-se coletivamente no mercado, mas dificilmente se manteriam auto-suficientes fora dele.

Esse alimento, encarado enquanto mercadoria, desencadeou uma série de mudanças na alimentação do comensal moderno, deflagrando a sensação de risco e ansiedade generalizadas.

É nesse contexto que a mídia e o marketing dos produtos alimentícios nadam de braçada. O alimento- mercadoria, desenvolve novas tecnologias, se recria e se reinventa a cada dia, a cada lançamento da indústria cultural-alimentícia, a cada novidade, em cada discurso médico-nutricional imponente e pretensioso que desbancam tantos outros, em todas as opções de produtos light, diet, pausterizados, alimentos funcionais, “ração humana”, etc.

Amparados na prerrogativa da praticidade e da segurança alimentar, o “comensal-consumidor” delega seu juízo, sua preocupação quanto sua “escolha” alimentar à mídia e ao discurso da indústria. Esse indivíduo geralmente rende-se à influência dessa multiplicidade de discursos, e simplesmente vai “às compras”, compulsiva e irrefletidamente, motivado pelo intuito subjetivo de exorcizar a insegurança presente em seu cotidiano, em seu imaginário particular e intimista.












Um comentário:

  1. Ótimo teu artigo!
    É isso aí, temos que resistir à "indústria cultural alimentícia". Cozinhar a própria comida, consumir orgânicos, ler os rótulos... É mais difícil, demanda um pouco mais de tempo, mas é incrivelmente recompensador.
    Um beijo, Aline

    ResponderExcluir

Não, São Paulo não me cativou nesse ano. Para mim, privilégio não é estar onde “todo mundo está”, mas estar em um lugar onde se pode, num ...